Pensamentos sobre faculdade & TI

← ← ←   6/12/2023, 1:29:48 PM | Posted by: Felippe Regazio


Os motivos pelos quais sinto que faz as pessoas se interessarem a principio em fazer faculdade:

  1. Elas acreditam que terão vantagem sobre quem não fez facul, saibam mais ou menos

  2. Precisam estar na instituição para ingressarem no mercado de trabalho através de estágios

  3. Querem forçar um interesse e disciplina que sozinhas não atingirão

  4. Procuram um título, seja por satisfação pessoal, estratégia social ou ego

  5. São amantes do conhecimento, admiram e querem seguir carreira academica em pesquisa

Pra mim todos são válidos. Mas o que vejo que acontece em TI é todo mundo confundir "não precisar de facul" com "poder ignorar tudo o que a faculdade ensina".

Não. Você não precisa de formação academica em tecnologia para entrar para o mercado de trabalho como desenvolvedor. Para outros fins em programação uma formação academica pode ser decisiva, ou/e até mesmo necessária, mas não para este.

Cabe dizer aqui que: assumir que a faculdade não é necessária não é o mesmo que dizer que não há benefícios em cursar uma universidade. Os benefícios podem ser incontáveis a depender do seu perfil e da sua condição de se manter-se em um curso superior de maneira proveitosa.

Cabe dizer ainda que: Em tecnologia, a universidade não é o conhecimento per si, mas um dos caminhos para ele. Isso pode aparecer como um alívio para muitos mas é na verdade uma grande responsabilidade: a não necessidade de uma universidade não quer dizer que vc pode negligenciar teoria e conhecimento academico, significa que vc deverá organizar-se e buscar sozinho por este conhecimento.

Se vc está iniciando e deseja ser auto-didata, aconselho a organizar um roteiro de estudos focados no que vc deseja aprender (seja conteudo academico ou nao), ou mesmo a pedir mentoria. Seja qual for o seu caminho, não deixe de dedicar algum tempo para estudar teoria de base como Algoritmos e Estrutura de Dados, Conceito temporal e espacial de código, Notação BigO etc etc etc.

Facul ensina muita coisa boa e muita coisa inutil (muita muita coisa inutil). Mas o ponto é que: facul ensina muita coisa ESSENCIAL!

E aqui ta o pulo do gato: muito autodidata negligencia coisas de base ou essenciais, por diversos motivos: sobrevivencia, burrice, disciplina...

Mas o ponto que isso me trás é que: é bobagem achar que só a faculdade pode trazer essa luz e conhecimento. Isso é reproduzir o bom e velho elitismo e preconceito academico. Nada novo sob o sol, isso existe desde a grécia antiga, né.

É um bias comum dizer que "quem faz facul é de alguma forma superior a quem não faz". Isso não é verdade. Quem NAO estuda historia, conceito, teoria e bases essenciais POSSUI um WEAK POINT em relação a quem vem de facul e viu e se dedicou nisso. E nada impede que essa pessoa que não veio de facul corra atrás do tempo perdido e se atualize nesses conteudos, dentro ou fora de uma facul. Assim como nada impede que uma pessoa tenha vindo de uma faculdade ruim, ou tenha vindo de uma boa faculdade que fez nas coxas e demorou 8 anos pra formar.

É tbm inegável que isso gera um filtro mercadologico (e um bias) que converte esses weak points na ideia errada de que quem vem de facul é de alguma forma "superior" hahahahaha, tipo: nop. E não me venha com "mas o network". Estamos na era da internet né, network não é a maior das barreiras hoje em dia.

Em verdade, olhando de maneira fria em termos puramente tecnicos: Não há NADA que um aluno de faculdade possa aprender em TI que um aluno fora da faculdade não o possa. Porém, há coisas úteis que pode-se aprender fora da faculdade e que não serão aprendidas dentro delas por limitações e foco óbvio do programa de ensino. Daí a universidade focar mais em conhecimentos de uso universal e menos em conhecimento de ambito específico.

O unico fator limitante para o exemplo acima são soft skills: organização e disciplina. A verdade é que a grande maioria das pessoas não consegue manter organização e disciplina de forma natural, e muito menos lidar bem com os percalços de ensinar a si mesmo/a. Assim a faculdade tbm tem um papel de salva-vidas do conhecimento, e isso é super legal tbm.

Um fator que torna isso ainda mais difícil: é comum errar a rota e ter que recomeçar o aprendizado, e muita gente vê isso como um enorme problema, pois adiciona muito mais o tempo para ingressar com confiança mínima no mercado de trabalho do que apenas conhecimento por conhecimento (particularmente não acho isso um problema pois nenhum conhecimento se perde, mas aqui é somente minha opinião baseada unicamente em minha vivência). E boa parte do conhecimento adquirido pode não ser suficiente para um ingresso no mercado de trabalho pelo único e exclusivo motivo de: vc não está matriculado/a numa universidade.

Importante citar que a verdadeira barreira (e que faz sentido) existe na verdade para pesquisadores: é inegavel a gigantesca contribuição de pesquisadores e academicos em todos os ambitos do conhecimento. Aqui é onde vejo as universidades de brilhando muito, de forma que deveríamos valorizar muito mais: desenvolvimento e pesquisa atraves da produção de conhecimento formal dos nosso pesquisadores, que é a razão de ser de boa parte das universidades públicas.

Aliás, as universidades públicas brasileiras são moldadas para esse fim: pesquisa e extensão, e não para o mercado de trabalho. A ideia é que o que foi oferecido em forma de ensino retorne para a sociedade e/ou país em forma de benefícios. Aqui também vejo um caminho fechado para o autodidata: se vc quer ser necessáriamente pesquisador e estar na vanguarda de estudos de inovação, aí sim é melhor manter-se dentro da universidade. Mas não é como se todo mundo que entra numa facul fosse seguir esse rumo e sair de lá um/a pesquisador/a né. Na verdade essa é uma parcela bem pequena, e boa parte do conhecimento desenvolvido nesse ambito demora dezenas de anos para se converter em conhecimento prático, sem contar ainda que aqui já estamos falando de um potencial mestrado e não somente da faculdade em sí que tem cunho introdutório para este fim. Daí a incompatibilidade da intenção de algumas universidades com o mercado contemporâneo. Embora novamente: nenhum conhecimento se perde e boa parte do que é ensinado nessas universidades está para além de importante: ESSENCIAL; isso acaba gerando essa disparidade entre mercado e pesquisa.

Mas esse texto não é sobre pesquisadores autodidatas vs pesquisadores academicos vs alunos não-pesquisadores. Essa é outra coisa que não vale a pena e nem deve ser transformada em uma discussão. Nossa discussão é sobre programadores/ras. industria e desenvolvimento pessoal, que é um tema recorrente na área de TI.

Há também o argumento de que certos conhecimentos só podem ser aprendidos e depreendidos em uma universidade e quando ensinados por outros (de preferencia eruditos no assunto). Ou seja, o famoso: isso não se pode aprender sozinho.

Ao meu ver, todo conhecimento vc meio que consegue sozinho, ngm pode "aprender" por vc. Se vc só tem acesso a algo via facul é pq o acesso ta centralizado somente la (por diversos motivos, as vezes justos, as vezes não). Lembra do clovis falando sobre brio? Então, vale pra quem ta na facul e pra quem ta fora dela.

Sem falar ainda que: aprender algo com pessoas e aprender algo na faculdade não são necessariamente a mesma coisa. Dizer que "isso vc não pode aprender sozinho" não é a mesma coisa que dizer "isso vc só pode aprender na faculdade", uma vez que, novamente, a faculdade não é a única e exclusiva detentora de conhecimento, embora muitas vezes finja ser. Isso mostra que a facul na verdade detem conhecimento estocado, represado e chancelado.

Por ex: se existem COISAS que só se aprende com pessoas (ou sei lá, formalmente na cadeira rs), qual a diferença pra fazer um curso focado nessas coisas e saber o mesmo que outras pessoas? Qual a diferença de ter um/uma mentor/a erudito/a no assunto que te ensinará de forma competente? Novamente: se isso não puder ser feito com reconhecimento, é sinal de "represamento e chancelamento de conhecimento".

Ora, sabemos que muitas vezes isso não seria reconhecido formalmente como um conhecimento valido em muitas areas né? Daí entra a universidade como chancela e represadora de conhecimento. A única instituição que valida o conhecimento que ela mesma represou, é ela mesma (hahaha). Porém para o mercado essa regra muitas vezes não se aplica, o mercado pode avaliar o conhecimento sozinho, com ou sem o aval da universidade. Pode usar a universidade como encurtadora de caminho, mas também abrir espaço para quem chegou no mesmo fim através de outros meios.

Muitas porém não são 100% assim, uns 50% eu diria... Na USP por ex, como em muitas outras universidades públicas: posso entrar la e ver uma aula mesmo sem prestar vest <3 E aqui entro na minha ultima obdservação: institucionalização do conhecimento em forma de poder. Vez ou outra seremos forçados a entrar em uma universidade não somente para aprendermos, mas para provar para os outros, dentro do sistema de avaliação dos outros, que de fato sabemos o que sabemos.

Não acho que ser autodidata funciona para todo mundo, assim como não acho que faculdade funciona para todo mundo. Não acho que seja fácil terminar uma faculdade, principalmente para quem tem problemas de permanencia estudantil, assim como não é fácil se manter em um roadmap autodidata de forma sólida... Se estamos em uma área que permite esse tipo de flexibilidade, vale a pena dar um crédito isonomico a ambos os lados, e no mínimo o benfício da dúvida, deixando o conhecimento e prática serem mais importantes que uma titualização históricamente elitista.