Uma rede social que...

← ← ←   9/17/2025, 12:36:01 AM | Posted by: Felippe Regazio


Redes sociais deveriam ser renomeadas para "Redes de Marketing Autônomo Descentralizado". É isso que elas são hoje. Não pretendo, neste post, abordar todos os problemas atuais das redes sociais; a Biana já fez isso melhor do que eu poderia fazer neste post https://bianaaf.medium.com/ciberlibertarianismo-e-descentraliza%C3%A7%C3%A3o-x-twitter-bluesky-nostr-e-o-fediverso-a810641572e5. Também não pretendo traçar nenhum paralelo entre a escalada das máquinas de geração de conteúdo e a concretização da Teoria da Internet Morta (https://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_da_Internet_Morta), nem falar sobre o quanto a ânsia por transformar absolutamente todo artefato online em uma máquina de atenção e dinheiro fez a Internet se tornar essa merda (https://theoutline.com/post/1165/the-web-looks-like-shit). E se você ainda quiser se aprofundar um pouco mais nesse tema para entender este post, sugiro ler o livro "A Máquina do Caos" de Max Fisher.

A questão central que me fica, independentemente do recheio analítico, é: redes sociais têm protagonismo em questões sociais. Elas afetam diretamente a vida das pessoas fora da internet. Aquele meme do "fora da internet nada disso existe" não é mais verdade. Mas vamos voltar uns anos no tempo, para uma época em que toda essa merda não estava "bosteada" desse jeito: a internet começava a se popularizar como forma de comunicação, junto com a popularização da banda larga. Muitos pensam que a internet por si só foi o grande avanço, mas o que de fato permitiu uma verdadeira revolução foram as primeiras conexões de alta velocidade. Já tínhamos diferentes maneiras de estabelecer conexões remotas a distância muito antes do advento da internet (na verdade, a internet ainda hoje possui cabos que remontam à estrutura de comunicação dos telégrafos de 1850 - https://wofp-ompp.org/en/2024/07/01/the-transatlantic-telegraph-cable-the-foundation-of-internet-communication/), mas nenhuma delas com a velocidade e resiliência que atingimos com a internet de alta velocidade.

Junto com essa nossa possibilidade, veio um enorme anseio por "conectar-se". Imagine só poder conversar com uma pessoa de outro bairro, de outra cidade ou do outro lado do mundo, quase em tempo real, e sem diferença fundamental no custo ou na qualidade da comunicação. Assim surgiram as primeiras redes sociais: para nos conectarmos. E esse é o aspecto fundamental que foi sendo distorcido e ressignificado até chegarmos onde estamos. Redes sociais eram como um bar: você ia lá e "performava" uma persona, se divertia, jogava alguma conversa fora, ou mesmo brigava, sei lá... a questão não é "tudo era lindo e agora tudo é ruim". Novamente: é mais fundamental. Uma rede social era um ponto de encontro. O valor de uma rede social estava na conexão em si; simplesmente ter "amigos" e interagir com eles representava o valor daquele sistema. E aí tivemos a primeira grande escalada.

Vale lembrar que, nesses primórdios, estávamos no que chamamos de Web 2.0, onde interações e conexões eram embrionárias. A maneira de se construir um sistema era extremamente diferente e, por conseguinte, a maneira como um sistema se comportava, seus custos, limitações, etc. Conforme as redes sociais avançaram em escala, aquele ambiente parecido com um grande "barzinho" foi dando lugar a uma espécie de passarela. O valor deixava de ser a conexão e passava a ser a exibição. Note que não estou nem dando nomes neste texto, nem localizando pontos específicos no tempo, porque eu sei que você está se identificando com o que estou dizendo. Neste momento, o valor de uma rede social estava em ser valorizado(a) pelos outros. E aí a primeira grande ficha caiu.

Enquanto descobríamos nossas diferentes facetas na internet, empresas estudavam incessantemente como monetizar isso. No fim das contas, é tudo sobre dinheiro, não é mesmo? Manter a internet tem custo, uma rede social tem custo, a infraestrutura tem custo... nada disso foi criado por puro entretenimento. O que estava sendo criado era, a princípio, um produto. O papel inicial fundamental das redes sociais era, então, o mais óbvio para todo lugar que aglutina muita gente: propaganda. A propaganda virou o negócio de toda empresa de tecnologia que conseguisse somar muita gente em um lugar só: blogs, sites, fóruns e, claro, redes sociais. O papel da rede social, enquanto produto, ainda não era bem delineado; a propaganda foi uma "saída fácil", por assim dizer, era mais como: o óbvio. A propaganda foi explorada à exaustão nas redes sociais, e a partir daí tudo mudou.

Conforme o tempo passava e toda rede social se tornava um "megazord sádico do marketing", tudo avançava junto. A infraestrutura do digital tornava-se mais robusta, mais rápida, mais barata em grande escala (embora ainda cara), e a própria noção do que era um sistema em escala começava a mudar de megabytes (MB) para gigas (GB), de gigas (GB) para teras (TB), de tera para peta (PB), Exabyte (EB), Zettabyte (ZB), Yottabyte (YB), Quetta... Quantidades inimagináveis de dados estavam ali à disposição, mas não dados quaisquer: vidas, rotinas, preferências, medos, anseios, sonhos... estava tudo ali, registrado dia a dia, mês a mês, ano a ano... E foi aí que alguém, em alguma mesa de reunião de alguma big tech que fornece redes sociais, fez o questionamento que mudaria tudo: se, em vez de nos posicionarmos como um produto que analisa comportamento e vende propaganda, nós utilizarmos dados para gerar o comportamento que queremos? Será que isso é possível?

Daí em diante, nada nunca mais foi o mesmo. Lembra daquela frase de "O Exterminador do Futuro"? ""O sistema entra em operação em 4 de agosto de 1997. Decisões humanas são removidas da defesa estratégica. A Skynet começa a aprender, a uma taxa geométrica. Ela se torna autoconsciente às 2h14, horário do leste (nos EUA), em 29 de agosto."... então, esse evento foi mais ou menos isso. Aqui, as redes sociais deixaram de ser um produto que se aproveitava do engajamento para vender e passaram a se tornar um agente de comportamento. E, novamente, não importam nomes, isso era um novo modelo de negócio criado, um modelo que gerava tanta grana que ainda não inventamos nem um nome para o tanto de casas decimais necessárias para representar o "amount". Aqui, as redes sociais deixavam de ser uma passarela e passavam a ser algo mais parecido com uma "igreja". Era parte fundamental da vida e da identidade das pessoas; ali elas se reuniam e formavam seus grupos, defendiam suas visões, fincavam suas bandeiras e, principalmente, lutavam por isso. Comportamentos de seita, aglutinação de grupos, extremismos, linchamentos, violência e todo o tipo de bizarrice coletiva medieval começava a surgir. Não era acaso, era modelo de negócio.

Aqui está armado o cenário: comunicação em tempo real de alta velocidade, escala colossal de processamento, infraestrutura e armazenamento, e controle estatístico total do sistema, do comportamento dentro dele, da aglutinação de grupos e do agendamento do futuro. Parece apocalíptico, né? E é, rsrs. Isso é poder pra caralho, meus amigos e amigas. Neste ponto, as redes sociais eram como verdadeiros templos e tinham o poder de vender o direcionamento de seus rebanhos para quem pagasse melhor. E o preço era bem caro. Agrava-se aqui que quem estava no controle de todo esse poder foram as pessoas que sempre estiveram no controle: brancos, fundamentalistas, reacionários, preconceituosos, etc. Não por ideologia, mas porque manter as coisas em um status quo de miséria e hostilidade é rentável, ajuda a fundamentar toda essa porcaria e a gerar zilhões. Como assumir-se um grandessíssimo filho da puta dói, a galera inventa esses papos de ideologia para servir de máscara para si mesma; ser filho da puta não é mais "filhadaputagem", é lifestyle. A real é que, por detrás de toda aquela capa de inovação e modernismo, havia uma meta tão velha quanto a própria humanidade: poder e controle. E isso foi alcançado. Mas a que custo?

Neste ponto, todo mundo que faz parte de uma rede social sentiu os efeitos: dificuldade de comunicação, sentimento de desconexão com tudo e todos, solidão, ansiedade... Uma rede social parece um grande templo do marketing. Tudo é voltado para vender: vender a si mesmo, vender uma opinião; tudo é vitrine, cada palavra é um micro outdoor implorando validação, e tudo o que é dito vira fator aglutinador... Bom, vamos voltar alguns parágrafos atrás neste texto e lembrar das primeiras redes sociais: você entrava para conectar-se. Já agora, entramos sem nem sabermos por quê; entramos por medo de não existirmos se não estivermos ali. Entramos porque ser irrelevante agora dói. Entramos por medo de desaparecermos, de ficarmos invisíveis. Ter uma rede social é uma parte de nossa personalidade, é quase uma necessidade social. Mas tentar ganhar relevância requer vender a própria alma para uma big tech qualquer, e essa big tech vai revender sua alma por um milhão de vezes o valor da aquisição. Esse é o business. Ainda é propaganda, ainda é marketing, ainda é negócio de influência, mas agora a rede social não é mais um produto. O produto é você, o produto são os outros, o produto é o que você quiser que seja... a rede social é o processador, a viabilizadora da sua "produtificação". Ela te processa, embala e vende todo dia. Redes sociais têm arsenal social para influenciar eleições, opinião pública, agendamento de decisões futuras, visibilidade de figuras e instituições, etc. Neste ponto, uma rede social é quase que um gênio da lâmpada: você diz seu desejo e ela pede um tempo para realizar, e geralmente realiza.

Mas como isso acontece? Como eu disse, eu não seria muito tecnicista neste post. A timeline é simples: fomos registrando nossas vidas até o ponto que ficamos previsíveis demais para sermos livres. Agora, qualquer big tech com poder de aglutinação e processamento pode juntar pequenos exércitos e apontá-los para alguma meta. Aqui você deve pensar: ok, isso é uma merda, mas não dá para "bostear" mais, né? Hahaha, dá. Dá para "bostear" muito mais. Veja o que eu disse: qualquer big tech pode juntar pequenos exércitos. E aqui chegamos no estágio atual: big techs e redes sociais não são mais como igrejas... como seitas sociais... elas agora são como impérios. Elas aglutinam milhões de pessoas, possuem cultura própria, regiões, domínios... feudos. Aqui é onde as empresas notam o grande trunfo: elas não precisam vender nada. Ué, como assim?

Neste estágio, uma rede social age como um império, um estado ou um feudo. Ela é a estrutura em que tudo acontece, e a nova palavra para tributo é: monetização. Funciona assim: você quer existir aqui, certo? Então, para existir aqui, você terá que fazer todo o trabalho de construir um conteúdo (não importa qual, se é bom ou ruim, se é hostil ou bom... apenas, conteúdo). Você gera o que quiser, faz acontecer, e a plataforma permite sua escala; em troca, eles te pagam N%, né? Errado. Você gerou tudo desde o início; o que eles fizeram foi fornecer a você a plataforma sob a qual tudo o que você fez será propagado, e você ficará com a menor parcela do dinheiro que você mesmo gerou. É uma forma curiosa de olhar para "monetização", né? Pois é, rs. A questão é que daí você pensa: mas sem essa plataforma eu nem existiria e não ganharia nem esse mínimo que para mim é muito! Exatamente como um império, né? Exatamente como um feudo, um "sistema social". Talvez devêssemos mudar o nome "rede social" para "sistema social". Essa mesma big tech, essa mesma rede social, essas mesmas detentoras de enormes infraestruturas e dados têm o poder de um império, inclusive com tentáculos sobre o estado, as religiões e tudo o que quiserem por terem poder bélico social. Uma rede social hoje controla centenas de milhares de pequenos exércitos. Toda big tech descobriu que é, ao mesmo tempo, tecnologia e ameaça. Agora o modelo de negócio está deixando de ser "vender serviço" para "associar poder". Big techs não vendem mais influência; elas oferecem associação de poder. O que você pode fazer para deixá-las mais ricas e poderosas, e em troca elas farão o mesmo por você? Justamente como um... império.

Mas aqui retomo o título deste post: uma rede social que... então, simples: que não esteja "bosteada" assim. Tenho pouca pretensão teórica com este post porque me faltaria capacidade e estudo para dar uma solução para toda essa "bosta". Tudo o que tenho é ódio e muita teoria. Mas de uma coisa eu sei: sinto falta do caráter de conexão das primeiras redes sociais. Sinto falta de reencontrar amigos próximos, de postar uma flor que nasceu em um vasinho que eu trouxe do supermercado, de conversar assuntos complexos em uma bolha controlada por mim mesmo e, principalmente, de não ter que lutar por relevância, afinal ninguém é relevante anyway. E não, não podemos utilizar nenhuma rede social hoje para isso; todas elas possuem algoritmos de controle de engajamento, toneladas de marketing, sistemas de amplificação de voz e de discursos, etc., etc. É simplesmente um inferno para a mente estar em uma rede social e, com o passar dos anos, você literalmente adoece ali. Ao meu ver, precisamos parar essa "bosta" e construirmos uma rede social que retome os primórdios. Mesmo que ninguém a utilize, mesmo que ela fracasse, mesmo que ninguém se importe, ao menos demos o caminho das pedras.

Assim, finalizo este post com o que penso ser a receita para uma rede social que retome o prazer da conexão e de uma boa conversa com um estranho, independentemente da viabilidade técnica atual:

Self-Hosted - Uma rede social deve ser instalada pelo usuário em algum dispositivo, servidor, celular, computador ou o que seja, e todo comportamento dentro de seu domínio deve ser controlado pelo próprio usuário. Nem que seja a princípio automatizado.

Denormalizada - Não deve haver um padrão comum para conectar-se com alguém. Nada de números de caracteres, páginas exatamente iguais nem nada do tipo. Você deve pensar que estou louco, mas a internet já é assim: cada site é da maneira que uma pessoa quiser que seja, e a grande maioria dos sites está dentro da mesma rede.

Linkada - Para cada uma dessas "redes-sociais-sites" deve-se haver um princípio de conexão, regras básicas que definam como uma pessoa se conecta com outra, por mais "denormalizados" que sejam cada um dos pontos. A isso damos o nome de protocolo. Ou seja: esta rede social deve conter um protocolo o mais simples possível que defina apenas duas coisas: como limitar a interação e como rastrear as atividades do outro. Ou seja: como posso atribuir limites de interação ao meu conteúdo ao mesmo tempo que me permito ser seguido e seguir conteúdos de outras pessoas, e a mensurar esses comportamentos.

Nada disso é simples. Ebarramos em questões extremamente complexas de escala, infraestrutura, custos, e complexidades sociais (ex: como viabilizar algo assim para usuários não técnicos). Esse é um resumo grosseiro de como vejo, em minha mente, a rede social utópica que... "desbostearia" toda essa "bosta".

Este post não foi revisado. Escrevi-o como um fluxo de pensamento, tomando uma Heineken, e não pretendo revisar. Desculpe por isso, estou tentando retomar a diversão de estar online e ter um blog.